Um detalhe em busca da coerência


“Nenhum pai deveria ter que enterrar seu filho”.

Hoje recebi a notícia de que a bebê recém-nascida de um colega faleceu. Ela tinha a síndrome de Edwards. Li que a maioria dos bebês com essa condição tem uma expectativa de vida inferior a um ano.

Depois de digerir a notícia, lembrei-me de um detalhe no filme O Senhor dos Anéis.

Apesar dos problemas inerentes a adaptar uma história criada numa mídia para outra, essa trilogia de filmes está entre o que de melhor já foi produzido para o cinema.

Dentre inúmeras cenas épicas, inspiradoras e emocionantes, uma em especial - que raramente é mencionada - sempre me comove quando a reassisto.

E há um detalhe nela que me afeta ainda mais.

A cena em questão retrata a primeira visita do rei Theoden - RIP Bernard Hill - ao túmulo de seu filho recém-falecido.

Após uma breve e triste reflexão, ele diz a frase que abre esse texto e finalmente encontra um lugar vulnerável dentro de si. As lágrimas caem, mas não sem uma batalha digna de um Rei.

Então Gandalf, que o acompanha, tenta confortá-lo, apenas para logo em seguida perceber que não há palavras de consolo.

E aqui está o detalhe:

Gandalf é o mago mais poderoso e sábio da Terra-média. Ele sempre tem uma palavra de encorajamento ou conforto para os momentos mais difíceis e cruéis. Ele é praticamente um anjo.

Mas, agora, não havia nada a ser dito.

Gandalf limita-se a descair seu olhar ao vazio e murmurar algumas palavras em respeito e oração.

Nenhum pai, nenhuma mãe deveriam ter que enterrar um filho, uma filha.

Pois tal evento não segue a ordem natural. É quase um absurdo lógico - como se dois mais dois somassem cinco. Como se o verdadeiro fosse falso. Como se amanhã fosse ontem.

Um instante em que a razão vacila, e o universo, por um suspiro, se esquece de suas próprias leis.

Vai-se tudo que teria sido.

Às vezes, quando não é o homem que a refuta, a própria natureza se retorque.

E, no momento de entropia absoluta, que palavras eu diria - se nem anjo pode encontrá-las?

A todos que sofreram com o colapso da coerência, deixo minha oferenda: um olhar compassivo e uma oração murmurada pelo coração.

Mero detalhe no meio da Vontade.

Que tal essas leituras?